Em frente, vamos!.

EM FRENTE, VAMOS! Com presença, serenidade e persistência, há boas razões para esperar que isto é um bem...

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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O processo

 

Sem sabermos tudo – antes pelo contrário! Sem se saber nada! – vá lá saber-se porquê, deu-nos para uma pequena revisitação de “O processo”, de Kafka, claro.

Por uma questão de economia de tempo – é preciso estar atento aos “direto”: “a qualquer momento”… durante horas sucessivas… a ansiedade ocupou o espírito, esvaiu por completa a capacidade de ação e de reação.

Como é dia de fixar o olhar naquele cenário de fundo branco, do género de contraplacado lacado de branco, com uma cadeira antiga, de estilo imponente, forrada a pelo com elementos esculpidos, um ambão de acrílico, uma bandeira nacional que por tão deslocada no espaço parece descaída para meia haste… O cenário para a leitura das medidas parecia saído de um filme artesanal. Tudo deslocado!

- Um momento…!

Afinal ainda não foi desta. A montanha estava prestes a “deixar sair” qualquer coisa!

- É agora?!

Vamos pregar olho no que vai sair… a qualquer momento. Como é preciso terminar o apontamento, pedindo desculpa, recorremos a uma sinopse (da wikipedia, no caso) e aqui ficam algumas dúvidas, coincidências, pertinências ou nem por isso…

O romance conta a história de Josef K., bancário que é processado sem saber o motivo. A figura de Josef K. é o paradigma do perseguido que desconhece as causas reais de sua perseguição, tendo que se ater apenas às elucidações alegóricas e falaciosas vindas de variadas fontes.

Embora Kafka tenha retratado um autoritarismo da Justiça que se vê com o poder nas mãos para condenar alguém, sem lhe oferecer meios de defesa, ou ao menos conhecimento das razões da punição, podemos levar a figura de Josef K., bem como de seus acusadores, para vários campos da vida humana: trabalho (quem nunca se viu cobrado ou perseguido, sem que seus acusadores lhe dissessem em que estaria sendo negligente), religião (quem nunca se viu pego, de surpresa, como Josef K., por um fanático intransigente, dizendo que teríamos ferido as leis divinas, sem que nos fossem apresentados os motivos), na escola (quem nunca se viu como Josef K., ao ser criticado por seu desempenho, sem que soubesse em que havia falhado, com críticas vagas, por vezes de colegas, por vezes dos próprios mestres).

Muito embora se preste às mais diversas interpretações, desde aquelas fundadas nos axiomas filosóficos até a mais profunda radiografia feita pela sociologia, de fato, “O Processo” fornece farto material àquele que se debruça sobre o estudo para além da mera dogmática jurídica, de vez que, por meio de um conto que mais se assemelha a uma parábola, Kafka reproduz a negação do estado democrático de direito e, ao mesmo tempo, leva o leitor a perceber que, mesmo vivendo sob a égide da democracia "plena", há que se não perder de vista que as instituições não guardam a razão de ser na prestação de serviço público, mas na submissão ao poder e às camadas dominantes.

Nesta obra, o protagonista, atónito, ao ser informado que contra ele havia um processo judicial (ao qual ele jamais terá acesso e fundado numa acusação que ele jamais conhecerá), percorre as vielas e becos da burocracia estatal, cumpre ritos inexplicáveis, comparece a tribunais estapafúrdios, submete-se a ordens desconexas e se vê de tal modo enredado numa situação ilógica, que a narrativa aproxima-se (e muito) da descrição de confusos pesadelos.

Mas não distam muito de pesadelos os processos reais que tramitam nos vãos da estrutura pesada, arcaica, burocrática e surreal das instituições zelosas da Justiça, de modo que, por fim, Franz Kafka terá sempre o mérito de ter, no início do século passado, retratado a sociedade de muitos povos, com fidelidade e crueza dignos de alçar sua obra à imortalidade. Fim da citação.

Ah! Finalmente! O homem ficou preso. Que alívio! Estava-se mesmo a ver que ainda era colocado sob outra medida, que transtorno que isso daria!

E agora? A fasquia ficou bem alta. Queremos mais justiça assim!

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O Estado que não serve

 

Em regra estamos, as pessoas, sempre insatisfeitas! Não é necessariamente mau que assim seja!

É desejável que haja participação, preocupação com o que é comum e com o que, mesmo individual, é parte da comunidade humana que construímos, somos parte e corresponsáveis; e somo-lo em praticamente tudo – mesmo quando o individualismo, alicerçado numa interpretação errónea do “carpem diem” de Horácio, conduz à “satisfação do umbigo” sem haver compromisso com nada! Como é sabido, o poeta latino incita Leuconoe a colher o melhor do dia nas variantes do epicurismo e do estoicismo. Portanto, não é um apelo ao prazer pelo prazer, do hedonismo contemporâneo, mas viver cada momento com disciplina de vida, com a ideia de que apesar do futuro ser incerto é importante procurar a alegria de viver de forma ordenada, racional, que deve evitar tudo o que ponha em causa o prazer das alegrias futuras.

O estoicismo, por mais prazer moderado em que se deseje viver, também tem os seus limites; por mais que prometa a força humana.

É o que acontece, porventura, todos os dias quando os cidadãos procuram os serviços que garantem a existência do organismo a que vulgarmente denominamos por “Estado”.

Alguns serviços não servem! Não servem por natureza nem servem para nada.

Apontemos uma mera ilustração; uma ilustração vivenciada.

O horário da repartição de finanças coincide com a maioria dos horários de outros trabalhadores, apenas, e não é coisa pouca, encerra às 16.30.

Por erro da administração pública, repristinação ou labor legislativo, com datas de entrada em vigor verdadeiramente aberrantes, o cidadão, uma pessoa comum tem de, no caso inspirador da ilustração, devolver uma determinada quantia ao Estado. Os procedimentos são perfeitamente anedóticos: recebe a nota de cobrança em carta registada. Nada o opor a não ser esse pormenor hilariante de, para quem trabalha, o destinatário poder não estar em casa. Ato contínuo, tem uma semana para levantar a “encomenda”, não interessa a distância, a hora, a disponibilidade,… nada! Nada justifica, sem prejuízo agravado, que falhe nessa tarefa a que é totalmente alheio. Mas mesmo assim, sendo alheio ao processo, tem de cumprir ou fazer cumprir, pedir alguém que vá aos “Correios” – afinal, ninguém está cá sozinho, como se aludiu no início deste apontamento: necessitamos de outros!

De notificação na mão, mais uma etapa: a devolução, ou pagamento que seja, tem de ser efetuada presencialmente. (Que obtusidade!? Não há outra via?!) Novo problema! Mais um dia, uma manhã,… mais uma falta ao trabalho, com toda a burocracia que isso implica, sobretudo se for funcionário público, por mais estranho que pareça. Ah! Sem esquecer os prazos, isso é que não, os encargos podem chegar ao mirabolante!

E por fim,… cumprida a missão!

Quem ganha e o que se ganha com esta “neolítica” forma de gerir as coisas na administração pública?!

Aparentemente, com estes entraves todos, as delegações públicas deveriam estar abertas ao domingo num Centro Comercial, por exemplo. Passava-se por lá e resolvia-se estes imbróglios com outra predisposição: “carpem diem”!

É evidente que este Estado não serve, é servido! É mau! Devora e é devorador!

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Muros há muitos

 
A 9 de novembro de 1989 houve, um pouco pela rua de cada cidade, a expectativa que uma nova era estaria a começar! A alegria que provinha dos rostos encavalitados da “Vergonha”  em Berlim era o sinal: o mundo poderia derrubar barreiras aparentemente intransponíveis. E durante horas esperava-se por notícias sobre coisas boas.
As Alemanhas fizeram o seu caminho; o Leste reconfigurou-se; o mundo mudou qualquer coisa nos alinhamentos pós II Grande Guerra; o resto permaneceu em mutação, como sempre!
A “agenda” – espreitando a teoria de Maxwell McCombs e Donald Shaw – foi mudando os interesses e os assuntos de interesse, novos olhares foram abertos noutras frentes onde o essencial não muda: o ser humano digladia-se um pouco por todo o lado! Berlim, em 89, apenas permitiu, porventura, outorgar o que “aconselha” Pessoa (Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro'):
Cerca de Grandes Muros Quem te Sonhas
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.
Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim com lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.
Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
“Há muros não apenas entre povos e continentes, mas também muito perto de nós e até dentro do coração humano.” (Carta de Taizé 2012-15)






















segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O desenvolvimento que desce

 

Acompanhamos com regularidade o índice de prosperidade (http://prosperity.com/#!/ranking ) que o Legatum Institute (www.li.com) vem apresentando.

No passado dia 3 de novembro pulicou o ranking de 2014, tendo em conta oito fatores: economia, educação, empreendedorismo e oportunidades, governação, saúde, liberdade pessoal, segurança e capital social.

Portugal desceu de 33º em 2012 para 47º lugar no ano passado em Educação, estando agora abaixo de países como a Mongólia, Montenegro, Emirados Árabes Unidos ou Rússia.

Apenas 77% dos portugueses estão satisfeitos com a qualidade da educação e acreditam que as crianças estão a aprender na escola, o valor mais baixo de sempre.

Houve também um declínio na escolarização primária, de 99,2 para 98%, o que indica uma quebra no número de crianças que entram para a escola, apesar de a taxa nacional continuar elevada, e o rádio de professores por aluno aumentou de 10.

Por outro lado, o número de jovens no ensino superior cresceu, e Portugal teve em 2013 uma taxa de 69%, a maior de sempre no país registada pelo índice.

O Índice de Prosperidade compara os níveis de riqueza e bem-estar, cobrindo 96% da população e 99% do Produto Interno Bruto mundial.

Na economia, Portugal é agora o segundo pior classificado na Europa ocidental, atrás da Grécia, na área económica, e está agora atrás de países como Argélia, Colômbia, Marrocos ou Letónia.

Portugal tem também o nono pior valor global de sentimento quanto à existência de oportunidades de trabalho, tendo apenas nove por cento dos inquiridos respondido afirmativamente à questão "Pensa que é uma boa altura para encontrar emprego" - mesmo assim superior à Grécia e Itália (3%) e Espanha (4%).

Por exemplo, apenas 55% dos portugueses mostraram satisfação com a qualidade de vida, inferior à média global de 60%, e caiu de 91% em 2011 para 82% a proporção de pessoas com acesso a comida e abrigo, o valor mais baixo desde sempre.

Embora os portugueses sejam dos povos com maior sentimento elevado de desconfiança em relação às autoridades e empresas (88%), Portugal melhorou nesta categoria e voltou ao top 30 dos países com melhor governação, registando um aumento de pessoas que afirmaram ter apresentado reclamações junto de entidades oficiais.

O nível de confiança na justiça subiu para 33%, mas continua abaixo da média global de 54%, mas a sensação geral é que os portugueses estão mais inquietos com a situação pessoal e do país: 57% confessaram preocupar-se, contra uma média global de 36%.